“FAZEI TUDO O QUE ELE VOS
DISSER” (Jo 2,5):
A palavra de
Maria: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). Esta é a última palavra
pronunciada por Maria, segundo os evangelistas. A primeira, dirigida ao anjo
Gabriel, diante da absoluta novidade do anúncio é “Como isso vai acontecer se
não conheço homem” (Lc 1,34)? Lá ela faz
uma pergunta, aqui ela dá uma instrução. Entre uma e outra, Maria teve a
oportunidade de percorrer um longo caminho. Pelo menos 30 anos (Lc 3,23)
separam a anunciação feita pelo anjo Gabriel a Maria, do início da missão de
Jesus, nas bodas de Caná. Tendo ele iniciado a missão, segundo o evangelista
João, Maria se calou, mas acompanhou os passos do Filho até o pé da cruz.
A orientação de Maria tem antecedentes na história
da salvação. Quando no Egito, o povo sofrendo de fome foi ao faraó pedir
socorro. Este lhe disse: “Ide a José e fazei o que ele vos disser” (Gn
41,55). O povo foi e José socorreu.
Quando no deserto, Moisés reuniu o povo para transmitir a Palavra de Deus, o
povo respondeu: “Faremos tudo o que disse o Senhor” (Ex 19,8).
Agora, aqui, na festa da aliança (bodas), em Caná
da Galileia, é Maria, que depois de ter avisado seu filho sobre a falta de
vinho diz aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). Assim, na
história da salvação, vamos de José no Egito para Jesus em Caná. Do pão nosso
de cada dia para o vinho da alegria.
O foco de nossa abordagem é o protagonismo
corresponsável. Onde quer que a pessoa esteja, seja qual for o nível de
participação oferecido ou permitido, ela precisa protagonizar o bem comum.
Qualquer dificuldade surgida tem a ver com todos. A solução não está em fazer o
que nos cabe, mas em dar o melhor de cada um para o bem de todos. Não basta
constatar o problema, é necessário buscar a solução.
O texto.
Observando, atentamente, vemos que a narrativa está composta em duas partes. A
primeira (Jo 2,1-5), com destaque para a mãe de Jesus como protagonista,
mencionada três vezes (2,1.3.5). A segunda (Jo 2,6-12), tendo como figura
central o chefe dos serventes, todo atrapalhado, também mencionado três vezes
(2,8.9.9). A mãe de Jesus é contraposta ao chefe dos serventes. Ela está lá como convidada, mas se
antecipa na percepção da situação e da carência, leva a questão a Jesus e
aponta Jesus aos serventes. Agora, para continuarem fieis a missão de servir,
os serventes precisam obedecer a Jesus.
A mudança nas relações soluciona o problema. O
chefe dos serventes, por sua vez, é surpreendido por não estar aberto aos sinais. O foco dele é o costume. Está fixado
nele (cf. Jo 2,10). O novo não vem com coisas novas, mas com novas relações,
novas atitudes. São elas que fazem a diferença. A solução não está na adequação
de Deus à nós, mas na nossa adequação à Ele.
As falas.
Nosso texto, embora narre uma festa de bodas, consta da fala de apenas três
pessoas. Duas delas foram para lá na condição de convidadas. Maria é a primeira. Ela tem duas
falas; uma para o Filho: “eles não têm vinho” (Jo 2,3), outra para os
serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5).
Jesus é o segundo. Ele tem três falas, uma
respondendo à mãe: “Mulher, que há entre mim e ti? A minha hora ainda não
chegou” (Jo 2,4), e duas ordenando os servos: “Enchei as talhas de água” (Jo
2,7). “Tirai agora e levai ao
mestre-sala” (Jo 2,8). Está aí atitude que o servidor de Jesus precisa
exercitar: Obedecer.
A última fala é a do mestre-sala, que provocado
pelos serventes, se dá conta de que algo escapou de seu controle (cf. Jo 2,10).
Alguém inverteu a ordem do serviço. A tradição, costume, foi rompida. Ele, que
na lógica, devia ser o primeiro, chega por último. Sua fala mostra o porquê. A
falta de vinho ele não percebeu, mas a quebra do costume sim. Na tradição as
bodas são organizadas e dirigidas por homens. Em Caná não é diferente. Mas é
uma mulher que atua a realização de um final feliz.
O tempo. A
narrativa das bodas não é um texto solto, está ligada às anteriores, desde o
testemunho do Batista, diante das autoridades enviadas de Jerusalém para junto
dele (cf. Jo 1,19-28). O testemunho dele constitui o primeiro dia da
apresentação do Messias. Estamos agora no terceiro dia depois do quarto dia
que, segundo Mateos e Barreto (1989 p. 127), corresponde ao sexto dia da
criação (Gn 1,26-31). Lá em Gênesis, Deus criou o homem e a mulher entregando a
eles todas as criaturas. Aqui em Caná, Jesus inicia seu ministério numa festa
de aliança de um homem e uma mulher, oferecendo o vinho que garante a festa
permanente.
Em João, o sexto dia é do recomeço ou do resgate da
criação, que acontece exatamente no ponto em que se havia desvirtuado, isto é,
na relação de aliança do homem com a mulher e de ambos com Deus (cf. Gn 3,8-13).
Lá, no sexto dia Deus criou o homem e a mulher (Gn 1,26-31). Aqui, no sexto
dia, Jesus garante o sentido da relação dos nubentes, simbolizado no vinho
novo, de modo que o pecado não prevaleça sobre ela e o amor seja permanente. A
expressão “terceiro dia”, remete, porém, a uma senha: “a ressurreição de
Jesus”, com ela é inaugurada a nova humanidade.
O evento.
Festa de bodas tem a ver com aliança. Não necessariamente conforme a
compreensão messiânica de aliança. Nesse tempo, as bodas celebravam um contrato
em que prevalecia a vontade do pai e do noivo. Em Caná, porém, a ação da mulher
prevalece. A intenção das bodas era cumprir o mandamento de Deus: “Sede
fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28). Mas o modo
de cumprir o mandato não priorizava o amor de ambas as partes. Prevalece a
obrigação e não a gratuidade.
Possivelmente por isso, segundo João, Jesus começa
sua missão numa festa de bodas. Estabelece aí a “Nova Aliança” selada no amor,
com o protagonismo de sua própria mãe, a qual representa o povo da espera. Isso
pode explicar porque Jesus não a chama de mãe, mas de “mulher”. A mãe dele,
ali, se torna símbolo de todo o povo que espera a ação do Messias. O livro do
Apocalipse retoma o tema da aliança em forma de bodas (21,2.9-10), como pleno
cumprimento dos desígnios de Deus sobre a criação.
O local:
Uma pequena vila, sem maior expressão, situada entre Nazaré e Cafarnaum. Caná fica
a 15 km de Nazaré a 31 km de Cafarnaum. Da capital, Jerusalém até Caná são
cerca de 230 km. Caná vem da raiz do verbo comprar, adquirir. Ali se adquire,
se resgata o sentido que o criador quis dar às bodas, não contrato, mas enlace,
aliança nupcial.
Não importa tanto saber se a vila era significativa
ou não, importa a narrativa do que ali aconteceu. A festa de bodas em Caná
segue o ritual de todos os outros lugares. Pela descrição interna da
(des)organização, a festa não era tão simples assim. Era estruturada, cada qual
na sua função. Na estrutura da festa está a explicação da carência. Maria
interfere e, com Jesus, faz a diferença.
As
presenças. “E a mãe de Jesus estava lá. Jesus e os discípulos também foram
convidados” (Jo 2,1b-2). A narrativa não se interessa pelo nome, da mãe, mas
pela relação com Jesus, tanto no início (2,1) quanto no final (2,12). Pela
sequência da narrativa parece que a mãe de Jesus estava lá na condição de
convidada. Sua atitude, porém, mostra bem mais do que isso.
Ali fica evidente o papel de Maria como mediadora.
Só não vê quem não quer. Ela movimenta toda a narrativa. Para Jesus ela diz:
“Eles não têm vinho” (Jo 2,3). Para os serventes ela diz: “Fazei tudo o que ele
vos disser” (Jo 2,5). Mesmo depois da resposta estranha de seu Filho, ela
continua firme na missão, que é de fazer convergir os servos e o Senhor, em
favor dos convidados da festa, e por extensão, de toda a humanidade, de todas
criaturas.
O problema. “Eles
não têm vinho”. Onde Maria viu que está faltando vinho se eles estão ainda com
vinho na mesa? Eles não têm vinho no depósito, mas o que isso tem a ver, se o
responsável por servir constata que os participantes da festa já estão embriagados
(cf. Jo 2,10). Que diferença faz? A diferença é que a festa vai acabar antes do
tempo e vai acabar por negligencia. Não é o administrador do vinho, mas o
noivo, que decide a hora da festa acabar. Acabar a festa por falta de vinho é fracasso.
O próprio Jesus diz à mãe “e o que nós temos a ver com isso? ” Eles estão aí
apenas como convidados. Aqui começa o discernimento entre o lado bom e o lado
ruim da tradição e dos costumes. Por que impor limites a quem pode dar mais? Parecem
estar programados para o mínimo.
A falta do vinho é problema dos administradores da
festa. Maria, porém, não vai a eles. Ela
vai a quem realmente pode fazer algo, não fica falando ou reclamando para as
paredes ou botando a boca no trombone. Na Festa, além de Maria existem pessoas
que podem reverter a situação, a principal é Jesus, mas há pessoas que estão aí
contratadas para servir. Servir é sua missão ou profissão? Depende do mestre
que seguem. É para elas que Maria se dirige. Ao filho (mestre) ela diz: “eles
não têm vinho”. Aos serventes ela diz: “fazei tudo o que ele vos disser”. Por
que faltou vinho? Esta não é hora de buscar culpados, mas de criar solução. O
tempo urge.
Em nossas congregações há um clamor, uma murmuração
que se recusa a calar: Não temos mais vocações. A Vida Consagrada não tem mais
sentido. O animador vocacional não faz nada. Hoje ninguém mais quer esse tipo
de vida. Estamos defasados mesmo. Melhor que morramos e nasça outra coisa mais
significativa. Pensando assim, não se vai a Jesus e nem aos serventes.
Nossa falta de iniciativa não será por conta de
nossa embriagues? Embriagues de nossas verdades, de falta de tempo, de atividades
assoberbadas...? O que nos causa tanta desorientação ou falta de
responsabilidade? Percebemos a falta do vinho e ficamos procurando explicação
em vez de criar solução. De quem estamos esperando solução?
Nível de
carência. A julgar pela resposta do gerente a falta do vinho não é grave,
pois, qualquer vinho a partir daquele momento é suficiente. Os que estão
festejando já não tem condições de discernir. Não será exatamente este o ponto
em que nos encontramos? Gente embriagada, no meio da festa, que perde o sentido
da própria festa e se faz dependente de qualquer coisa que venha a ser
oferecida. Não vamos, não sabemos e, talvez, nem queiramos ir à fonte. Tornamo-nos
consumidores em vez de criadores. Não damos a vida para criar nova vida.
Jesus não veio para dar-nos uma vida mais o menos.
Ele veio para que tenhamos vida em abundância (cf Jo 10,10). Ele veio para que produzamos
frutos em abundância (Jo 15,7-8.16). A abundância que ele traz não é para
perder o sentido (embriagar), mas para ampliar, transbordar o sentido, criando
e alimentando a vida. Esta é a que acontece em Caná quando os servos cumprem a
ordem de Jesus.
A constatação é da mãe de Jesus que se antecipa
evitando o vexame. Ela não grita, nem reclama, vai direta ao Filho e comunica.
Ela sabe que providenciar vinho é função do noivo e do encarregado da festa,
mas não vai a eles. Ela também não se perturba com a resposta do Filho. Vai aos
que foram designados para servir e lhes ordena: “Fazei tudo o que ele vos
disser”. Nesta palavra, ela dá um novo rumo para à obediência dos serventes.
Eles foram chamados para obedecer ao mestre-sala, mas para resolver a falta de
vinho precisam obedecer a Jesus. A solução não está em fazer como sempre se
fez. A situação mudou a solução é outra. Maria cultiva o protagonismo e a
serenidade. Ela sabe a quem se entregou e se confia inteiramente.
Aliança.
A festa, normalmente, durava uma semana. Por isso devia ser bem planejada,
considerando o número de participantes. O vinho tinha grande importância para o
andamento da festa. Ele garantia a alegria que constituía a graça de festejar.
Na verdade, o motivo da festa é a aliança, mas o motor aqui é o vinho. Nesta
festa passa-se do vinho histórico para a um sentido simbólico de grande
alcance.
Em Cântico dos Cânticos (1,2) o vinho simboliza o
amor que gravita entre esposo e esposa, mas segundo o poeta, o amor supera o
vinho. “Teus amores são melhores do que o vinho”. Um casamento, no pleno
sentido religioso cristão é uma aliança entre duas pessoas. Uma entrega
acordada reciprocamente. O noivo se dá à noiva por inteiro e esta ao noivo também
por inteira. Aliança não é contrato, nem obrigação, é livre oferenda. Eis o
grande desafio na relação de pertença.
Bodas em Caná figura a aliança de Deus com a
humanidade, por meio de seu Filho Jesus, presente na história, em condição
humana. Maria é a humanidade para Deus, enquanto Jesus é Deus para a
humanidade. Maria, aquela que gerou Jesus, agora o impulsiona para superação do
vazio da celebração, que é a falta do vinho. O vinho simboliza o amor. Maria
está posicionada na origem, na fonte, porque a graça não pode parar de brotar.
Maria é a mãe que vigia e se antecipa à necessidade
dos seus. Ela não resolve o problema, mas encaminha certeiramente para quem pode
fazê-lo. Só Jesus pode dar um jeito, mas ele não o faz sozinho. A participação
de servidoras e servidores é necessária. Contando com a disposição de obedecer
ao mandato de Jesus, a humanidade terá uma aliança que nunca se acaba.
A mediadora estabelece e favorece laços de
comunhão, de alcance mais amplos que a percepção dos envolvidos no momento, no
caso, os serventes e Jesus. A ação conjunta, dos serventes e de Jesus, resulta
em benefício de todos os convidados e vai mais além, pois o vinho em abundância
(de sobra), quando já boa parte dos convidados está embriagada (cf. Jo 2,10), é
para aqueles que ainda não chegaram ou ainda não foram convidados. O vinho novo
transborda as gerações.
O serviço realizado transborda da festa do momento
presente e abraça o futuro que está em gestação. O vinho das bodas alcança
também a nós hoje. Esta geração continua sendo beneficiada por aquele vinho,
que nunca haverá de acabar. Quanto aos discípulos, são aqui figurantes, talvez
aprendizes.
Quanta reclamação por falta de vocações! Quanta justificativa por
falta de entusiasmo! Quanta tempo ocupado para mudar estruturas externas!
Quanta omissão para cultivar o espírito! O dia das núpcias era celebrado com
muita festa, o vinho não podia faltar. Mas no dia-a-dia da aliança só se
persevera com muito amor. É o amor que está em causa, não o fruto da videira. O
vinho é símbolo dele.
As talhas. “Estavam
lá seis talhas de pedra destinadas à purificação dos judeus” (Jo 2,6a). Eram
seis, símbolo da carência. Eram de pedra, símbolo da lei antiga, sem
flexibilidade. Fazem lembrar a profecia de Ezequiel: “Tirarei de vosso corpo o
coração de pedra e porei no lugar um coração de carne” (36,26b). Eram grandes,
comportando de 80 a 120 litros. Eram desiguais, umas continham duas medidas, outras
continham três. Estavam fixadas em um lugar especifico, a entrada da sala.
Estavam determinadas a uma função especifica, a purificação dos judeus. Isto
invoca a exigência legal, estabelecida pelas autoridades judaicas.
A função de purificar/limpar não significa mudar,
nem converter. João narra esta parte com detalhes para que não restem dúvidas
de sua importância na festa que até agora predominava. A purificação, porém,
não é suficiente. Ela ameniza, mas não resolve. A conversão é a resposta.
As talhas ocupam exatamente o centro da narrativa.
Com a atuação mediadora de Maria e ação transformadora de Jesus, as talhas são
deslocadas, começa um novo tempo e uma nova prática. Migramos do poder da
talha-continente (lei) para o poder do vinho-conteúdo (amor). Passamos da
frieza da lei para o calor do amor. A mãe de Jesus estava lá, atenta e ativa.
As talhas de pedra estavam lá, inertes e vazias. Mas não é só isso, estavam lá
também, o chefe dos serventes e o noivo que nada perceberam. Maria, com grande
ousadia, desloca os serventes da obediência ao seu chefe para a obediência a
Jesus. A estrutura montada falhou. Maria agiu. Esse deslocamento deu o que
falar.
A Lei, estabelecida para orientar a humanidade,
tornou-se obstáculo. Em vez de indicar o caminho, tornou-se, ela própria, a
razão do caminho, impedindo a progressão para a plenitude. O último instrumento
não são as talhas de pedra, mas o lenho da cruz. As talhas da purificação estão
vazias. Vazio também está o deposito do
vinho. Desatento está o chefe dos serventes.
Sem ação estão os encarregados de servir. Este momento exige observação
e resposta criativa.
A água, colocada por obediência a Jesus, se
converte em vinho, muda então, a qualidade e a função. O vinho, porém, torna-se
sangue durante a ceia de Jesus. O sangue, por sua vez, derramado na cruz,
possibilita a transformação total da humanidade. Agindo a partir de dentro de
cada pessoa, garantindo uma nova humanidade, fiel à aliança, até a plenificação
no amor. Não mais purificação, mas plenificação. Por isso se fala de sinal
“arché”, isto é, principio.
As palavras
de Jesus. São duas as ordens de Jesus aos serventes. A primeira é: “Encham
de água essas talhas” (Jo 2,7). Ordem que obteve deles uma recepção generosa,
pois encheram até a borda, isto é, até não caber mais. Este ato expressa a
generosidade do serviço. A segunda ordem é “tirem e levem ao mestre-sala” (Jo
2,8). Entende-se em geral como levar uma amostra da água. Jesus não faz o que
outros podem fazer. Aqui, ele providencia o vinho, mas não o distribui.
Diferentemente do que fez com os pães em João 6,11.
O responsável para servir os convidados não tinha
ciência nem da falta de vinho, nem do que foi feito e nem de quem fez tal
coisa. Ocupado com o ritual não enxerga o manancial. Está ocupado com a tarefa
de servir, mas não percebe a necessidade dos destinatários de sua função.
Degusta e percebe a mudança de qualidade no vinho apresentado pelos serventes,
mas não consegue ir além disso. Pelo contrário, adverte o noivo para uma falha
na etiqueta: “servir primeiro o bom vinho e depois servir o pior” (Jo 2,10).
Onde Jesus e Maria estiverem presentes não será mais assim.
A ordem de Jesus mostra que, quanto mais se caminha,
melhor é a qualidade do caminhar. No desígnio de Deus não se vai do melhor para
o pior, como reclama o chefe dos serventes, que já tem prevista a decadência na
qualidade da festa, vai-se sim, do pior para o melhor, como revela a ação de
Jesus. O plano de Deus segue uma linha ascendente. Com Maria e Jesus a festa é
progressivamente qualificada até o fim. Conforme podemos ver no texto, eles não
buscam coisas novas, eles qualificam as que existem. Não basta ser ou fazer
diferente, é preciso ser e fazer melhor.
O mistério
da hora ou a hora do mistério. Jesus responde de modo estranho ao apelo da
mãe: “minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). Mais adiante em 13,1, João
esclarece. Trata-se da “Hora de passar deste mundo para o Pai”. É a hora da
entrega total de si mesmo, ao Pai, em favor de todos. Assim, o princípio dos
sinais (cf. Jo 2,12) aponta para o fim (cf. Jo 19,18). O que o Jesus veio fazer
é muito mais que dar vinho, é dar a si mesmo. O exercício da missão
esclarecerá.
Resolver uma carência é importante. Mais
importante, porém, é exercitar um modo de vida no qual as carências não tenham
mais lugar. A mãe intercede pela continuidade da festa. Ela percebe que o vinho
está acabando e comunica ao filho. Este, chama atenção para a solução
definitiva: doar a vida (cf. Jo 2,4). Quando se prioriza a doação a carência
acaba.
Nas bodas, Maria assume e transcende o papel do
mestre-sala, buscando a continuidade da festa. Com Jesus, ela inverte a ordem
tradicional da festa, passando, ela mesma de convidada a corresponsável. Antes,
cada um cuidava do seu lugar, agora começa um processo participativo onde cada
pessoa não se limita a sua função especifica. O bem de todos é a meta. Não é
suficiente cuidar só do que lhe cabe.
Não é a tradição, mas a criatividade que responde
às surpresas da vida e aos novos desafios que se apresentam, com frequência, em
nossa caminhada. O novo tempo começou. O que precisa prevalecer não é o
costume, mas a justiça. Justiça é cada um contribuir, sem reservas, com o que
tem e, receber com gratuidade, o que necessita para viver.
Na cruz, Jesus lhe entrega a continuidade da
maternidade do Salvador e, consequentemente, da salvação. De agora em diante, a
mãe de Jesus é mãe de todos os discípulos dele, até o fim dos tempos. Do mesmo
modo, todos os discípulos dele, são também filhos de Maria, até o fim dos
tempos. Mais ainda, com tal entrega, a mãe de Jesus passa a ser mãe de toda a
humanidade.
Concluindo, na cruz, a própria missão, Jesus
entrega a mãe à humanidade. Ele recebeu a humanidade da mãe, agora entrega-a à
humanidade (cf. Jo 19,26). Isto, Jesus fez antes de morrer, mas depois de
morto, ainda oferece, de seu lado aberto pela lança, sangue e água (cf. Jo
19,34).
João avisa que a transformação da água em vinho é o
princípio dos sinais. O aviso tem duplo sentido. Princípio pode ser visto como
origem, mas pode ser visto como o primeiro de muitos. As duas visões se
encaixam aqui: O sinal fonte, bem como o sinal de abertura.
Para
refletir: 1 - Onde Maria estava que percebeu a falta do vinho antes de
todos, inclusive dos responsáveis pela festa? 2 - Em que lugar devo estar eu
para não ser pego de surpresa na falta do vinho/amor para com as pessoas com as
quais convivo e as que preciso servir? 3 - O que significa hoje para nós esta
ordem de Maria: Fazei tudo o que ele vos disser? 4 - Quais são as talhas vazias
de nossa instituição e de nossa vida que precisam de uma nova destinação?
Fr. Moacir Casagrande, OFMcap
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