terça-feira, 16 de julho de 2019

Fr. Moacir Casagrande, OFMcap “FAZEI TUDO O QUE ELE VOS DISSER” (Jo 2,5)


“FAZEI TUDO O QUE ELE VOS DISSER” (Jo 2,5):
A palavra de Maria: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). Esta é a última palavra pronunciada por Maria, segundo os evangelistas. A primeira, dirigida ao anjo Gabriel, diante da absoluta novidade do anúncio é “Como isso vai acontecer se não conheço homem” (Lc 1,34)?  Lá ela faz uma pergunta, aqui ela dá uma instrução. Entre uma e outra, Maria teve a oportunidade de percorrer um longo caminho. Pelo menos 30 anos (Lc 3,23) separam a anunciação feita pelo anjo Gabriel a Maria, do início da missão de Jesus, nas bodas de Caná. Tendo ele iniciado a missão, segundo o evangelista João, Maria se calou, mas acompanhou os passos do Filho até o pé da cruz.
A orientação de Maria tem antecedentes na história da salvação. Quando no Egito, o povo sofrendo de fome foi ao faraó pedir socorro. Este lhe disse: “Ide a José e fazei o que ele vos disser” (Gn 41,55).  O povo foi e José socorreu. Quando no deserto, Moisés reuniu o povo para transmitir a Palavra de Deus, o povo respondeu: “Faremos tudo o que disse o Senhor” (Ex 19,8).
Agora, aqui, na festa da aliança (bodas), em Caná da Galileia, é Maria, que depois de ter avisado seu filho sobre a falta de vinho diz aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). Assim, na história da salvação, vamos de José no Egito para Jesus em Caná. Do pão nosso de cada dia para o vinho da alegria.
O foco de nossa abordagem é o protagonismo corresponsável. Onde quer que a pessoa esteja, seja qual for o nível de participação oferecido ou permitido, ela precisa protagonizar o bem comum. Qualquer dificuldade surgida tem a ver com todos. A solução não está em fazer o que nos cabe, mas em dar o melhor de cada um para o bem de todos. Não basta constatar o problema, é necessário buscar a solução.
O texto. Observando, atentamente, vemos que a narrativa está composta em duas partes. A primeira (Jo 2,1-5), com destaque para a mãe de Jesus como protagonista, mencionada três vezes (2,1.3.5). A segunda (Jo 2,6-12), tendo como figura central o chefe dos serventes, todo atrapalhado, também mencionado três vezes (2,8.9.9). A mãe de Jesus é contraposta ao chefe dos serventes. Ela está lá como convidada, mas se antecipa na percepção da situação e da carência, leva a questão a Jesus e aponta Jesus aos serventes. Agora, para continuarem fieis a missão de servir, os serventes precisam obedecer a Jesus.
A mudança nas relações soluciona o problema. O chefe dos serventes, por sua vez, é surpreendido por não estar aberto aos sinais. O foco dele é o costume. Está fixado nele (cf. Jo 2,10). O novo não vem com coisas novas, mas com novas relações, novas atitudes. São elas que fazem a diferença. A solução não está na adequação de Deus à nós, mas na nossa adequação à Ele.
As falas. Nosso texto, embora narre uma festa de bodas, consta da fala de apenas três pessoas. Duas delas foram para lá na condição de convidadas. Maria é a primeira. Ela tem duas falas; uma para o Filho: “eles não têm vinho” (Jo 2,3), outra para os serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5).
Jesus é o segundo. Ele tem três falas, uma respondendo à mãe: “Mulher, que há entre mim e ti? A minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4), e duas ordenando os servos: “Enchei as talhas de água” (Jo 2,7). “Tirai agora e levai ao mestre-sala” (Jo 2,8). Está aí atitude que o servidor de Jesus precisa exercitar: Obedecer.
A última fala é a do mestre-sala, que provocado pelos serventes, se dá conta de que algo escapou de seu controle (cf. Jo 2,10). Alguém inverteu a ordem do serviço. A tradição, costume, foi rompida. Ele, que na lógica, devia ser o primeiro, chega por último. Sua fala mostra o porquê. A falta de vinho ele não percebeu, mas a quebra do costume sim. Na tradição as bodas são organizadas e dirigidas por homens. Em Caná não é diferente. Mas é uma mulher que atua a realização de um final feliz.
O tempo. A narrativa das bodas não é um texto solto, está ligada às anteriores, desde o testemunho do Batista, diante das autoridades enviadas de Jerusalém para junto dele (cf. Jo 1,19-28). O testemunho dele constitui o primeiro dia da apresentação do Messias. Estamos agora no terceiro dia depois do quarto dia que, segundo Mateos e Barreto (1989 p. 127), corresponde ao sexto dia da criação (Gn 1,26-31). Lá em Gênesis, Deus criou o homem e a mulher entregando a eles todas as criaturas. Aqui em Caná, Jesus inicia seu ministério numa festa de aliança de um homem e uma mulher, oferecendo o vinho que garante a festa permanente.
Em João, o sexto dia é do recomeço ou do resgate da criação, que acontece exatamente no ponto em que se havia desvirtuado, isto é, na relação de aliança do homem com a mulher e de ambos com Deus (cf. Gn 3,8-13). Lá, no sexto dia Deus criou o homem e a mulher (Gn 1,26-31). Aqui, no sexto dia, Jesus garante o sentido da relação dos nubentes, simbolizado no vinho novo, de modo que o pecado não prevaleça sobre ela e o amor seja permanente. A expressão “terceiro dia”, remete, porém, a uma senha: “a ressurreição de Jesus”, com ela é inaugurada a nova humanidade.
O evento. Festa de bodas tem a ver com aliança. Não necessariamente conforme a compreensão messiânica de aliança. Nesse tempo, as bodas celebravam um contrato em que prevalecia a vontade do pai e do noivo. Em Caná, porém, a ação da mulher prevalece. A intenção das bodas era cumprir o mandamento de Deus: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28). Mas o modo de cumprir o mandato não priorizava o amor de ambas as partes. Prevalece a obrigação e não a gratuidade.
Possivelmente por isso, segundo João, Jesus começa sua missão numa festa de bodas. Estabelece aí a “Nova Aliança” selada no amor, com o protagonismo de sua própria mãe, a qual representa o povo da espera. Isso pode explicar porque Jesus não a chama de mãe, mas de “mulher”. A mãe dele, ali, se torna símbolo de todo o povo que espera a ação do Messias. O livro do Apocalipse retoma o tema da aliança em forma de bodas (21,2.9-10), como pleno cumprimento dos desígnios de Deus sobre a criação.
O local: Uma pequena vila, sem maior expressão, situada entre Nazaré e Cafarnaum. Caná fica a 15 km de Nazaré a 31 km de Cafarnaum. Da capital, Jerusalém até Caná são cerca de 230 km. Caná vem da raiz do verbo comprar, adquirir. Ali se adquire, se resgata o sentido que o criador quis dar às bodas, não contrato, mas enlace, aliança nupcial.
Não importa tanto saber se a vila era significativa ou não, importa a narrativa do que ali aconteceu. A festa de bodas em Caná segue o ritual de todos os outros lugares. Pela descrição interna da (des)organização, a festa não era tão simples assim. Era estruturada, cada qual na sua função. Na estrutura da festa está a explicação da carência. Maria interfere e, com Jesus, faz a diferença.
As presenças. “E a mãe de Jesus estava lá. Jesus e os discípulos também foram convidados” (Jo 2,1b-2). A narrativa não se interessa pelo nome, da mãe, mas pela relação com Jesus, tanto no início (2,1) quanto no final (2,12). Pela sequência da narrativa parece que a mãe de Jesus estava lá na condição de convidada. Sua atitude, porém, mostra bem mais do que isso.
Ali fica evidente o papel de Maria como mediadora. Só não vê quem não quer. Ela movimenta toda a narrativa. Para Jesus ela diz: “Eles não têm vinho” (Jo 2,3). Para os serventes ela diz: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). Mesmo depois da resposta estranha de seu Filho, ela continua firme na missão, que é de fazer convergir os servos e o Senhor, em favor dos convidados da festa, e por extensão, de toda a humanidade, de todas criaturas.
O problema. “Eles não têm vinho”. Onde Maria viu que está faltando vinho se eles estão ainda com vinho na mesa? Eles não têm vinho no depósito, mas o que isso tem a ver, se o responsável por servir constata que os participantes da festa já estão embriagados (cf. Jo 2,10). Que diferença faz? A diferença é que a festa vai acabar antes do tempo e vai acabar por negligencia. Não é o administrador do vinho, mas o noivo, que decide a hora da festa acabar.  Acabar a festa por falta de vinho é fracasso. O próprio Jesus diz à mãe “e o que nós temos a ver com isso? ” Eles estão aí apenas como convidados. Aqui começa o discernimento entre o lado bom e o lado ruim da tradição e dos costumes. Por que impor limites a quem pode dar mais? Parecem estar programados para o mínimo.
A falta do vinho é problema dos administradores da festa. Maria, porém, não vai a eles.  Ela vai a quem realmente pode fazer algo, não fica falando ou reclamando para as paredes ou botando a boca no trombone. Na Festa, além de Maria existem pessoas que podem reverter a situação, a principal é Jesus, mas há pessoas que estão aí contratadas para servir. Servir é sua missão ou profissão? Depende do mestre que seguem. É para elas que Maria se dirige. Ao filho (mestre) ela diz: “eles não têm vinho”. Aos serventes ela diz: “fazei tudo o que ele vos disser”. Por que faltou vinho? Esta não é hora de buscar culpados, mas de criar solução. O tempo urge.
Em nossas congregações há um clamor, uma murmuração que se recusa a calar: Não temos mais vocações. A Vida Consagrada não tem mais sentido. O animador vocacional não faz nada. Hoje ninguém mais quer esse tipo de vida. Estamos defasados mesmo. Melhor que morramos e nasça outra coisa mais significativa. Pensando assim, não se vai a Jesus e nem aos serventes.
Nossa falta de iniciativa não será por conta de nossa embriagues? Embriagues de nossas verdades, de falta de tempo, de atividades assoberbadas...? O que nos causa tanta desorientação ou falta de responsabilidade? Percebemos a falta do vinho e ficamos procurando explicação em vez de criar solução. De quem estamos esperando solução?
Nível de carência. A julgar pela resposta do gerente a falta do vinho não é grave, pois, qualquer vinho a partir daquele momento é suficiente. Os que estão festejando já não tem condições de discernir. Não será exatamente este o ponto em que nos encontramos? Gente embriagada, no meio da festa, que perde o sentido da própria festa e se faz dependente de qualquer coisa que venha a ser oferecida. Não vamos, não sabemos e, talvez, nem queiramos ir à fonte. Tornamo-nos consumidores em vez de criadores. Não damos a vida para criar nova vida.
Jesus não veio para dar-nos uma vida mais o menos. Ele veio para que tenhamos vida em abundância (cf Jo 10,10). Ele veio para que produzamos frutos em abundância (Jo 15,7-8.16). A abundância que ele traz não é para perder o sentido (embriagar), mas para ampliar, transbordar o sentido, criando e alimentando a vida. Esta é a que acontece em Caná quando os servos cumprem a ordem de Jesus.
A constatação é da mãe de Jesus que se antecipa evitando o vexame. Ela não grita, nem reclama, vai direta ao Filho e comunica. Ela sabe que providenciar vinho é função do noivo e do encarregado da festa, mas não vai a eles. Ela também não se perturba com a resposta do Filho. Vai aos que foram designados para servir e lhes ordena: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Nesta palavra, ela dá um novo rumo para à obediência dos serventes. Eles foram chamados para obedecer ao mestre-sala, mas para resolver a falta de vinho precisam obedecer a Jesus. A solução não está em fazer como sempre se fez. A situação mudou a solução é outra. Maria cultiva o protagonismo e a serenidade. Ela sabe a quem se entregou e se confia inteiramente.
Aliança. A festa, normalmente, durava uma semana. Por isso devia ser bem planejada, considerando o número de participantes. O vinho tinha grande importância para o andamento da festa. Ele garantia a alegria que constituía a graça de festejar. Na verdade, o motivo da festa é a aliança, mas o motor aqui é o vinho. Nesta festa passa-se do vinho histórico para a um sentido simbólico de grande alcance.
Em Cântico dos Cânticos (1,2) o vinho simboliza o amor que gravita entre esposo e esposa, mas segundo o poeta, o amor supera o vinho. “Teus amores são melhores do que o vinho”. Um casamento, no pleno sentido religioso cristão é uma aliança entre duas pessoas. Uma entrega acordada reciprocamente. O noivo se dá à noiva por inteiro e esta ao noivo também por inteira. Aliança não é contrato, nem obrigação, é livre oferenda. Eis o grande desafio na relação de pertença.
Bodas em Caná figura a aliança de Deus com a humanidade, por meio de seu Filho Jesus, presente na história, em condição humana. Maria é a humanidade para Deus, enquanto Jesus é Deus para a humanidade. Maria, aquela que gerou Jesus, agora o impulsiona para superação do vazio da celebração, que é a falta do vinho. O vinho simboliza o amor. Maria está posicionada na origem, na fonte, porque a graça não pode parar de brotar.
Maria é a mãe que vigia e se antecipa à necessidade dos seus. Ela não resolve o problema, mas encaminha certeiramente para quem pode fazê-lo. Só Jesus pode dar um jeito, mas ele não o faz sozinho. A participação de servidoras e servidores é necessária. Contando com a disposição de obedecer ao mandato de Jesus, a humanidade terá uma aliança que nunca se acaba.
A mediadora estabelece e favorece laços de comunhão, de alcance mais amplos que a percepção dos envolvidos no momento, no caso, os serventes e Jesus. A ação conjunta, dos serventes e de Jesus, resulta em benefício de todos os convidados e vai mais além, pois o vinho em abundância (de sobra), quando já boa parte dos convidados está embriagada (cf. Jo 2,10), é para aqueles que ainda não chegaram ou ainda não foram convidados. O vinho novo transborda as gerações.
O serviço realizado transborda da festa do momento presente e abraça o futuro que está em gestação. O vinho das bodas alcança também a nós hoje. Esta geração continua sendo beneficiada por aquele vinho, que nunca haverá de acabar. Quanto aos discípulos, são aqui figurantes, talvez aprendizes.
Quanta reclamação por falta de vocações! Quanta justificativa por falta de entusiasmo! Quanta tempo ocupado para mudar estruturas externas! Quanta omissão para cultivar o espírito! O dia das núpcias era celebrado com muita festa, o vinho não podia faltar. Mas no dia-a-dia da aliança só se persevera com muito amor. É o amor que está em causa, não o fruto da videira. O vinho é símbolo dele.
As talhas. “Estavam lá seis talhas de pedra destinadas à purificação dos judeus” (Jo 2,6a). Eram seis, símbolo da carência. Eram de pedra, símbolo da lei antiga, sem flexibilidade. Fazem lembrar a profecia de Ezequiel: “Tirarei de vosso corpo o coração de pedra e porei no lugar um coração de carne” (36,26b). Eram grandes, comportando de 80 a 120 litros. Eram desiguais, umas continham duas medidas, outras continham três. Estavam fixadas em um lugar especifico, a entrada da sala. Estavam determinadas a uma função especifica, a purificação dos judeus. Isto invoca a exigência legal, estabelecida pelas autoridades judaicas.
A função de purificar/limpar não significa mudar, nem converter. João narra esta parte com detalhes para que não restem dúvidas de sua importância na festa que até agora predominava. A purificação, porém, não é suficiente. Ela ameniza, mas não resolve. A conversão é a resposta.
As talhas ocupam exatamente o centro da narrativa. Com a atuação mediadora de Maria e ação transformadora de Jesus, as talhas são deslocadas, começa um novo tempo e uma nova prática. Migramos do poder da talha-continente (lei) para o poder do vinho-conteúdo (amor). Passamos da frieza da lei para o calor do amor. A mãe de Jesus estava lá, atenta e ativa. As talhas de pedra estavam lá, inertes e vazias. Mas não é só isso, estavam lá também, o chefe dos serventes e o noivo que nada perceberam. Maria, com grande ousadia, desloca os serventes da obediência ao seu chefe para a obediência a Jesus. A estrutura montada falhou. Maria agiu. Esse deslocamento deu o que falar.
A Lei, estabelecida para orientar a humanidade, tornou-se obstáculo. Em vez de indicar o caminho, tornou-se, ela própria, a razão do caminho, impedindo a progressão para a plenitude. O último instrumento não são as talhas de pedra, mas o lenho da cruz. As talhas da purificação estão vazias.  Vazio também está o deposito do vinho. Desatento está o chefe dos serventes.  Sem ação estão os encarregados de servir. Este momento exige observação e resposta criativa.
A água, colocada por obediência a Jesus, se converte em vinho, muda então, a qualidade e a função. O vinho, porém, torna-se sangue durante a ceia de Jesus. O sangue, por sua vez, derramado na cruz, possibilita a transformação total da humanidade. Agindo a partir de dentro de cada pessoa, garantindo uma nova humanidade, fiel à aliança, até a plenificação no amor. Não mais purificação, mas plenificação. Por isso se fala de sinal “arché”, isto é, principio.
As palavras de Jesus. São duas as ordens de Jesus aos serventes. A primeira é: “Encham de água essas talhas” (Jo 2,7). Ordem que obteve deles uma recepção generosa, pois encheram até a borda, isto é, até não caber mais. Este ato expressa a generosidade do serviço. A segunda ordem é “tirem e levem ao mestre-sala” (Jo 2,8). Entende-se em geral como levar uma amostra da água. Jesus não faz o que outros podem fazer. Aqui, ele providencia o vinho, mas não o distribui. Diferentemente do que fez com os pães em João 6,11.
O responsável para servir os convidados não tinha ciência nem da falta de vinho, nem do que foi feito e nem de quem fez tal coisa. Ocupado com o ritual não enxerga o manancial. Está ocupado com a tarefa de servir, mas não percebe a necessidade dos destinatários de sua função. Degusta e percebe a mudança de qualidade no vinho apresentado pelos serventes, mas não consegue ir além disso. Pelo contrário, adverte o noivo para uma falha na etiqueta: “servir primeiro o bom vinho e depois servir o pior” (Jo 2,10). Onde Jesus e Maria estiverem presentes não será mais assim.
A ordem de Jesus mostra que, quanto mais se caminha, melhor é a qualidade do caminhar. No desígnio de Deus não se vai do melhor para o pior, como reclama o chefe dos serventes, que já tem prevista a decadência na qualidade da festa, vai-se sim, do pior para o melhor, como revela a ação de Jesus. O plano de Deus segue uma linha ascendente. Com Maria e Jesus a festa é progressivamente qualificada até o fim. Conforme podemos ver no texto, eles não buscam coisas novas, eles qualificam as que existem. Não basta ser ou fazer diferente, é preciso ser e fazer melhor.
O mistério da hora ou a hora do mistério. Jesus responde de modo estranho ao apelo da mãe: “minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). Mais adiante em 13,1, João esclarece. Trata-se da “Hora de passar deste mundo para o Pai”. É a hora da entrega total de si mesmo, ao Pai, em favor de todos. Assim, o princípio dos sinais (cf. Jo 2,12) aponta para o fim (cf. Jo 19,18). O que o Jesus veio fazer é muito mais que dar vinho, é dar a si mesmo. O exercício da missão esclarecerá.
Resolver uma carência é importante. Mais importante, porém, é exercitar um modo de vida no qual as carências não tenham mais lugar. A mãe intercede pela continuidade da festa. Ela percebe que o vinho está acabando e comunica ao filho. Este, chama atenção para a solução definitiva: doar a vida (cf. Jo 2,4). Quando se prioriza a doação a carência acaba.
Nas bodas, Maria assume e transcende o papel do mestre-sala, buscando a continuidade da festa. Com Jesus, ela inverte a ordem tradicional da festa, passando, ela mesma de convidada a corresponsável. Antes, cada um cuidava do seu lugar, agora começa um processo participativo onde cada pessoa não se limita a sua função especifica. O bem de todos é a meta. Não é suficiente cuidar só do que lhe cabe.
Não é a tradição, mas a criatividade que responde às surpresas da vida e aos novos desafios que se apresentam, com frequência, em nossa caminhada. O novo tempo começou. O que precisa prevalecer não é o costume, mas a justiça. Justiça é cada um contribuir, sem reservas, com o que tem e, receber com gratuidade, o que necessita para viver.
Na cruz, Jesus lhe entrega a continuidade da maternidade do Salvador e, consequentemente, da salvação. De agora em diante, a mãe de Jesus é mãe de todos os discípulos dele, até o fim dos tempos. Do mesmo modo, todos os discípulos dele, são também filhos de Maria, até o fim dos tempos. Mais ainda, com tal entrega, a mãe de Jesus passa a ser mãe de toda a humanidade.
Concluindo, na cruz, a própria missão, Jesus entrega a mãe à humanidade. Ele recebeu a humanidade da mãe, agora entrega-a à humanidade (cf. Jo 19,26). Isto, Jesus fez antes de morrer, mas depois de morto, ainda oferece, de seu lado aberto pela lança, sangue e água (cf. Jo 19,34).
João avisa que a transformação da água em vinho é o princípio dos sinais. O aviso tem duplo sentido. Princípio pode ser visto como origem, mas pode ser visto como o primeiro de muitos. As duas visões se encaixam aqui: O sinal fonte, bem como o sinal de abertura.
Para refletir: 1 - Onde Maria estava que percebeu a falta do vinho antes de todos, inclusive dos responsáveis pela festa? 2 - Em que lugar devo estar eu para não ser pego de surpresa na falta do vinho/amor para com as pessoas com as quais convivo e as que preciso servir? 3 - O que significa hoje para nós esta ordem de Maria: Fazei tudo o que ele vos disser? 4 - Quais são as talhas vazias de nossa instituição e de nossa vida que precisam de uma nova destinação?

Fr. Moacir Casagrande, OFMcap

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